Livro expõe violência dos contos de fadas e propõe reflexão sobre quebra no patriarcado

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De qual você gosta mais? A sequestrada, a dopada ou a estuprada? Sim! Estamos falando das princesas e dos contos de fadas. E é assim que Nicole Aun e Alessandra Rodrigues se referem às violências a que as mulheres são submetidas a partir do encantamento que histórias milenares e de manutenção do patriarcado se propõe. Por isso, no próximo dia 20 de setembro elas lançam o livro Histórias para quem dormir?Expondo os contos de fadas para despertar“, pelo selo “Atreva-se” da editora Claraboia. 

Em um mundo permeado por narrativas românticas que moldam nossas aspirações desde a infância, as autoras escreveram um livro que mergulha nas profundezas dos contos de fadas e desafia as percepções tradicionais sobre o amor, o gênero e o papel das princesas.

Com ilustrações de Tainah Negreiros, a obra é, segundo as autoras, uma forma de desvendar os dispositivos patriarcais dos contos de fadas e sugere uma nova perspectiva para os leitores, sobretudo as mulheres. Mas é importante lembrar: não é um livro contra as princesas, mas sobre o cuidado que se deve tomar com príncipes. 

Nomear para combater deu ideia do livro 

A semente para o livro foi plantada durante a aplicação do jogo “Nomear para Combater”, desenvolvido por Nicole e Alessandra, do Movimento Atreva-se!, que é um movimento feminista que cria ferramentas para nomear e combater o machismo no cotidiano, durante uma atividade em colaboração com a ONG “Gerando Falcões”, ao questionar a origem do imaginário romântico das meninas, surgiu a percepção de que os contos de fadas podem estar influenciando fortemente suas visões sobre o amor. Com isso em mente, as autoras se dedicaram a estudar as princesas criadas por grandes conglomerados sob uma nova perspectiva, buscando revelar os dispositivos patriarcais presentes nessas histórias.

Assim, a obra traz capítulos que falam sobre como “A Bela e a Fera” não fala de amor, mas de cárcere privado, “A branca de Neve” e o trabalho gratuito para o capital, “A Bela Adormecida” que foi adormecida, “A pequena sereia” que não era amor, mas autoanulação, a Mulan, que está sempre em guerra, Moana e o triunfo da meritocracia, entre outras histórias que despertam o olhar para como as crianças podem ser manipuladas pelo patriarcado. 

“A gente vai tentando, mesmo que no campo das ideias, criar frestas no muro que é o patriarcado com suas escolas de princesas. Uma tentativa de reação, uma legitimidade a nossa teimosia, a teimosia dos que resistem, afinal é só assim que dá pra seguir, né? Penso que o livro pretende ser mais uma ferramenta para quem quer derrubar o patriarcado, tomara que sirva!”, declara Nicole. 

Para Alessandra, há uma disputa de narrativas e o livro convida as pessoas a colocarem uma lupa em histórias ditas universais feitas para mulheres há muito tempo e que moram no imaginário das meninas como uma receita única a ser seguida. 

“É mais uma aula de humanizar a mulher (dita) princesa, e rever os príncipes. Derrubar não, mas facilitar que as pessoas enxerguem o tal do patriarcado no seu cotidiano e sacar seus métodos, como ele opera é um desejo!”, pontua.

Além do romance, as autoras propõem, com o livro, desvelar a meritocracia nas princesas modernas, como as guerreiras, as que precisam estar sempre em luta, as que, através da meritocracia, recebem algo em troca de seus esforços. A obra funciona também como um convite para olhar mais de perto a lógica neoliberal que tenta, a todo custo, manter as mulheres sob rédeas curtas. 

Livro funciona como aula de “Desprincesamento”

O livro é um convite à desconstrução das narrativas românticas tradicionais. A partir do desprincesamento, propõe uma leitura crítica das histórias que nos são apresentadas desde a infância, expondo as mensagens e ideologias muitas vezes prejudiciais que esses contos podem transmitir. Ao fazer isso, o livro busca empoderar os leitores a enxergar além das aparências e a reconhecer os padrões patriarcais subjacentes.

“Foram nos convencendo que podemos nomear violência como amor e descobrir isso dói muito. ‘É mais fácil a gente perceber a violência na história da Branca de Neve, por exemplo, que não existe, e trazer para nossa vida uma maneira de pensar sobre isso, do que perceber que estamos vivendo essa violência e por isso nos identificamos tanto com a tal princesa”, explica Nicole.

Um convite à reflexão e à transformação

“Histórias para quem dormir?” não apenas critica as narrativas tradicionais, mas também oferece ferramentas para repensar esses padrões. O livro convida os leitores a analisar suas próprias crenças sobre o amor romântico e a relação entre gênero e afetividade. Ele oferece uma oportunidade de enxergar as histórias de princesas como portadoras de mensagens complexas e, muitas vezes, problemáticas.

Sobre as autoras

Nicole Aun é diretora de teatro, roteirista, ativista feminista, escritora e educadora social. Co-fundadora do Movimento Atreva-se. Uma das criadoras dos jogos “Nomear para Combater” e “Histórias para quem dormir?”. Autora do livro Nomear para combater: Uma tentativa de organizar a raiva para virar pensamento, pelo selo Atreva-se, em parceria com a editora Claraboia.

Alessandra Rodrigues é terapeuta ocupacional, especializada em atendimento de grupo e família pela abordagem sistêmica, e prática terapêutica grupal com mulheres e jovens em instituições públicas e privadas. Ativista feminista pelo Movimento Atreva-se atuando com os jogos “Nomear para combater” e “Histórias para quem dormir?”. Fotógrafa e curadora visual do Projeto Paisagem Pública Galeria de Arte. Curadora no Movimento Atreva-se e no Projeto Mulheres, Visualidades, Obra e Cotidiano.

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