Resenha de Macbeth em 3 atos: a beleza da tragédia shakespeariana

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Nesta resenha de Macbeth, a beleza da tragédia shakespeariana é dissecada em 3 atos: o autor, a história clássica e o único final possível para o casal mais intrigante da literatura inglesa.

Por João Matheus

Ato I – O autor

Sempre fui um apaixonado pelas tragédias.

Encantava-me os gregos com seus heróis lutando contra um destino cruel e certeiro que os faz tremer a alma, porém, com a coragem admirada por Nietzsche, avançavam para uma derrota certa, entretanto, uma vida estética onde enfrentam seus demônios sem recuar um passo. Essa é a beleza da tragédia, a catarse do sofrimento, a expurgação dos nossos sentimentos rompendo a apatia do hábito na vida comum.

inegavelmente William Shakespeare foi um mestre em abalar os nossos sentidos como quase nenhum foi capaz.

O Bardo

Pouco sabemos quem era O Bardo, suas biografias são enriquecedoras quando buscamos a história das luvas e sua fabricação, mas do Bardo do Avon pouco sabemos. De Shakespeare sobrou apenas suas obras e isso já foi o suficiente para a literatura de todo o Ocidente Moderno.

Ler ou assistir a Shakespeare é uma experiência única ao mesmo tempo que diversa.

Única no contato, as surpresas, os questionamentos e as reflexões shakespearianas acertam-nos no âmago, desnuda-nos e nos revela. Diversa, pois o Bardo nunca deixa de ser atual ao nos questionar de maneiras diferentes a medida que envelhecemos e aumentamos o repertório. Não importa quantos anos se passem Shakespeare irá sempre nos contar uma nova história.

Poderia começar falando do príncipe melancólico Hamlet, o invejoso Iago em Otelo até mesmo a loucura apaixonada do jovem casal Romeu e Julieta, mas a culpa destruidora do casal Macbeth me atrai até hoje com muito interesse.

Pensem comigo um único instante, só isso que te peço, caro leitor ou leitora desta resenha de Mcbeth, você prefere ser temido ou amado? É o amor ou o medo que te garante o poder? O quão longe iria para alcançar o poder? Não conseguirei, infelizmente, dizer o que você respondeu, gostaria, pois adoro uma conversa, mas o general Macbeth fez sua escolha e foi longe implacável em sua decisão…

Ato II – A história de Macbeth

“Afinal, o que é Macbeth?”

A peça foi planejada para ser declamada em homenagem ao rei da Escócia e da Inglaterra, Jaime I. Shakespeare seria semelhante aos diretores de novelas dos dias atuais, construía suas peças para que dessem antes de tudo lucro. Em outra palavras, ele não se importava em trazer um personagem de volta a vida caso o público gostasse ou mudar o final se este fosse desagradável para a plateia. Era um homem de negócios. Não o julguemos, comer é importante. 

Ao mesmo tempo que possuía uma alma poética também foi um grande satirista enchendo seus enredos com pequenas e pontuais críticas a sociedade e inserindo algumas piadas sexuais – os conselhos mais encantadores são dados pelo homem mais vulgar e prolixo da peça Hamlet, o Polônio.

Em Macbeth, durante a cena onde o porteiro atende a porta há uma leve comparação entre estar bêbado e a falta de ereção causada pela bebida. A peça, mesmo possuindo algumas piadas no início, assume um ritmo sério logo ao fim do primeiro ato desaguando em um poderoso e poético ato final que prende a nossa respiração por segundos, treme os dedos e seca os lábios.

Um nobre general

Macbeth conta a história de um general e thane (um título de nobreza na época, algo parecido com o que seria conde para o português) da Escócia, reconhecido e admirado, ao fim de uma sangrenta batalha onde foi-lhe dado a missão de esmagar uma revolta da nobreza, é surpreendido por três bruxas que revelam que este se tornará rei de toda a Escócia.

Encorajado pela Lady Macbeth, o general Macbeth assassina seu primo, o rei Duncan e assume a coroa… desse acontecimento que a história começa.

A peça é inspirada em fatos reais que, claro, foram modificados em prol da arte shakesperiana que usa e abusa de fatos históricos. Mesmo que possua alguns pequenos erros em datas e locais, isso não chega a diminuir um traço sequer da magnanimidade da poesia do dramaturgo.

A peça escocesa

A “peça escocesa’, como é apelidada pelos dramaturgos e atores (há uma lenda urbana de que esta peça seria amaldiçoada), é a mais noturna em sentimentos e soturna em ações do Bardo. Assim, o seu começo nos apresenta um mundo quebrado e invertido com uma tempestade se aproximando e um campo de batalha com corpos espalhados.

‘Seremos aqui julgados se deixarmos como sinal

Lições sangrentas, que quando ensinadas, retornam

Para emprestar o seu inventor. A justiça imparcial 

Leva a poção do cálice envenenado afinal

Aos nossos próprios lábios. Está aqui em redobrada fé:

Primeiro, sou seu parente e vassalo,

Ambos fortes motivos contra o ato e, como anfitrião,

Deveria fechar a porta ao assassino,

E não empunhar o punhal eu mesmo. Mas, esse Duncan

É contido no uso do poder, exerce suas altas funções 

Com sobriedade, de tal modo que suas virtudes 

Arguirão como anjos, trombetas troando contra 

O desmedido pecado do seu assassinato. 

(…)

Poderá soprar o hórrido ato em cada olho

E as lágrimas afundarão no vento. Não tenho espirra

Para aferroar os flancos do meu intento, mas só

Esta confiante ambição que ao superar-se

Cai no outro.”

A ganância, ambição e a culpa são temas que percorrem toda a peça.

Continuando a nossa resenha de Macbeth, Shakespeare constrói a tensão na mente de Macbeth revelando o terror que sente, a venenosa serpente da traição que está a instantes de picá-lo, e a culpa construindo-se dentro do espírito abalado do protagonista que, casando de maneira impressionante com a ambição desmedida da poderosa Lady Macbeth, montam a grandiosidade da obra.

Não há história sem esse complexo casal que intrigou Freud. O casal, ironicamente, o mais feliz das peças shakesperianas, é dotado de um mistério e força impressionantes. Separados são majestosos, juntos são intensos. A mais curta peça de Shakespeare é a que possui o final mais apoteótico. Aliás, e a mais elogiada pelos críticos modernos mesmo havendo a brilhante Hamlet e a apaixonada Romeu e Julieta.

Lady Macbeth na resenha de macbeth

A Lady Macbeth é brilhante! Mulher forte e manipuladora dotada de uma ambição imensa, capaz de sacrificar a própria feminilidade, o ato de gerar um filho e amamentar, em prol dos seus ambiciosos objetivos. Determinada a fazer seu compassivo marido rei da Escócia é dela que parte o plano para destronar o antigo rei. Quando o marido demonstra sinais de fraqueza ou covardia, é a Lady Macbeth que assume as rédeas da situação usando todos os métodos, femininos ou não, para manter em suas mãos brancas o poder profetizado pelas bruxas.

“Fora, maldita mancha! Fora digo eu! Uma, duas. Ora, então, é hora de fazê-lo. O inferno é tenebroso. Que vergonha, meu Senhor, que vergonha, um soldado, e temeroso? O que devemos temer? (…). Ora , estas mãos nunca ficarão limpas? Não mais disso, meu Senhor, não mais disso. Você estraga tudo com esse desassossego. Aqui ainda tem cheiro de sangue; todos os perfumes da Arábia não adocicadas esta pequena mão. (…)”

Macbeth, o protagonista

Macbeth é, por outro lado, um homem dotado de imensa docilidade e, arrisco dizer, quase sem ambição. Com efeito, como o maior protagonista da história suas ações e reações enchem a história de questionamentos morais fantasmagóricos. Decerto que ele sabe o que irá fazer, ele reconhece o mal que irá praticar e ao reconhecer Shakespeare mostra o quão diferente é o desenho de sua tragédia. Embora diferente dos gregos com sua tragédia destinada e divina – Édipo é destinado a assassinar o pai, dormir com a mãe e terminar cego – a tragédia shakesperiana é a tragédia do livre arbítrio! De fato, Macbeth reconhece o mal, sabe que ele existe e, ainda sim, o aceita. Seja como for, cheio de culpa e remorso, mas aceita-o e executa.

“Aí vem meu acesso de novo: sem isso seria perfeito, 

Íntegro como o mármore, firme como a Rocha,

Tão difuso e onipresente como o ar que nos envolve.

Mas agora estou cingido, calado, confinado, atado a

Dúvidas e receios impertinentes 

(…)

Retrocede e sai da minha vista! Deixa a terra te esconder!

Teus ossos não tem tutano, teu sangue é frio;

Não tens visão nesses olhos

Fixos com os quais me fitas”

Certamente que os dois se amam profundamente, uma fidelidade impressionante até a chegada do crime. Nesse sentido, nas cenas mais sombrias da peça o casal permanece junto. De tal forma que onde há a inversão de papéis, o casal perde-se junto. Nunca um sem o outro.

Ato III – O único final possível

Sem dúvida, o final é uma apoteose de sensações e sentimentos.

Assim sendo, nós leitores sabemos e sentimos que aquele é o único fim possível para o casal mais fiel do Bardo. Logo, o fim é melancólico e intenso, solitário e conflituoso. Contudo, o último monólogo do enlouquecido Macbeth é carregado de um niilismo profundo onde, no fim de tudo, no “amanhã, e amanhã, e amanhã” chegando até “a última sílaba do tempo narrado” tudo que resta é “o caminho ao pó da morte”.

Desse modo, encarando o seu fim Macbeth se percebe como um péssimo ator que esperneia sobre o palco que nada escuta. Uma história contada por um imbecil carregada de barulhos e sentimentos que termina significando absolutamente nada. Nesse sentido, essa última cena é dotada de uma beleza poética impressionante que dificilmente pode ser replicada para o português. De tal sorte que, para as pessoas que não possuem o inglês como segunda língua é uma triste perda. No entanto, a recomendação continua igual!

Leia Shakespeare e aprecie a elegância do Bardo. Ler Shakespeare é abraçar a poesia de uma época. Além disso, é encantar-se com as rimas de uma geração, bem como permitir-se perder o fôlego na tensão. Logo, ler Shakespeare é ler o belo. Por isso, é preciso o máximo de fidelidade ao texto original em uma resenha de Macbeth.

Um bom filme para acompanhar a resenha de macbeth

Assim, para quem quer acompanhar essa resenha de Macbeth com um filme, recomendo bastante o longa Macbeth (2015) do diretor britânico Justin Kurzel. Ainda que tendo que evitar perder a essência da peça, ele deu uma nova roupagem a obra cinematográfica. Ao mesmo tempo, recomendo pela incrível atuação Michael Fassbender como Macbeth e a linda Marion Cotillard como Lady Macbeth que com toda a certeza formam uma belíssima dupla. 

Por outro lado, a mais recente adaptação para o cinema é A Tragédia de Macbeth (2021) de Joel Coen. Aliás, o mesmo adotou uma ambientação cinzenta para representar não apenas a tragédia shakesperiana, mas também a situação política do planeta que caminha ambiciosamente para o fim.

Ademais, Denzel Washington assume seu Macbeth soturno ao lado da ambiciosa Lady Macbeth interpretada por Frances McDormands. Um excelente complemento para quem leu uma resenha de Macbeth.

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